Quem ganhou com a quarentena foi o Chronos, o cachorro, ou teria ganho se não fosse o destino. No corre-corre do dia a dia saíamos muito de vez em quando, pouco mesmo. Aquele queixo dele na barra inferior do portão e o olhar em lugar nenhum sempre me dava a impressão de que ele sonhava com a tundra, uma espécie de Call of the Wild silencioso. Pra mim sempre foi um sofrimento. E além do mais, o Chronos tem um jeito triste, como os lobos mesmo que parecem todos tristes. Pois bem, com a quarentena o danado ganhou passeios diários, todo dia sem falta, mais ou menos quando começa a escurecer e ainda se vê um pouco de luz lá pros lados onde o sol se põe. Mas acontece que de tanto sonhar com os espaços livres o tempo passou e agora aos "70 anos" de idade, Chronos vê coisas que para ele estão no horizonte da rua e parecem grande ameaça, mas eu nunca vi nada, nenhum perigo. De repente ele estanca para tomar uma decisão. Puxa a coleira pra atrás, empina nas patas dianteiras como um potro e toma o caminho de volta. Não passa da esquina. Apenas cheira tudo que cheira e faz cocô, uma nova tarefa pros dois. Quando veio a nossa quarentena parece que veio a quarentena dele... passeios cada vez mais curtos. Ele está se reduzindo aos arbustos mais próximos, que já dão tarefa suficiente pro olfato. O que será que se passa dentro daquela cachola dele? Elzheimer de cão? Síndrome do pânico? Alguém sabe me dizer? Tenho muita dó dele. Mais dele do que de mim mesmo que provavelmente percorrerei também caminhos cada vez mais curtos. Mas eu pude optar.

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